domingo, junho 27, 2010

A dignidade da arte




Eu escrevo para os que não podem me ler. Os de baixo, os que esperam há séculos na fila da história, não sabem ler ou não tem com o quê.
Quando chega o desânimo, me faz bem recordar uma lição de dignidade da arte que recebi há anos, num teatro de Assis, na Itália. Helena e eu tínhamos ido ver um espetáculo de pantomima, e não havia ninguém. Ela e eu éramos os únicos espectadores. Quando a luz se apagou, juntaram-se a nós o lanterninha e a mulher da bilheteria. E, no entanto, os atores, mais numerosos que o público, trabalharam naquela noite como se estivessem vivendo a glória de uma estréia com lotação esgotada. Fizeram
sua tarefa entregando-se inteiros, com tudo, com alma e vida; e foi uma maravilha.
Nossos aplausos ressoaram na solidão da sala. Nós aplaudimos até esfolar as mãos.
Eduardo Galeano em O livro dos abraços

sábado, junho 26, 2010

carta.


São Paulo, 12 de agosto de 1987.

Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado.

Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como “eu gosto de você”. Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue vivê-la.

Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.

Amo vocês, seu filho,
Caio.

segunda-feira, junho 14, 2010

aline.

aline
você me faz criar sonhos do mesmo modo que um escritor escreve facilmente um conto de fadas.
eu vejo você desenhar em mim um futuro novo e cheios "de depois de amanhã eu passo aqui pra te amar de novo" e nesse momento quase deixo de ter mazelas e passo a ser perfeita sob a linha guia da tua caneta.e olha que eu havia te dito ontem que eu não queria mais falar de cor porque aquarelas sempre dão mais trabalho que nanquim, mas você pega todas as cores e as ajusta ao meu eu com tanta maestria que quase esqueço que preto branco é aquilo que sempre foi meu e em como eu me atrapalho ao tentar por cor nas coisas e ordem aos quadros.
você precisa parar com isso de tentar me fazer como você porque é capaz de eu acreditar em tudo que acreditei um dia.E catrastroficamente me tornar um ser humano muito melhor do eu sou.